STF mantém obrigação de empresas informarem benefícios à Receita, e lista vai aumentar
Por: Adriana Fernandes
Fonte: Folha de S. Paulo
A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de manter a obrigatoriedade de
empresas informarem, por meio eletrônico, os benefícios fiscais que recebem
do governo vai abrir caminho para a Receita Federal fortalecer os controles de
fraude e a identificação do uso ineficiente de incentivos tributários.
De acordo com auditores ouvidos pela Folha, a ideia é ampliar a lista, que hoje
alcança 88 benefícios analisados. A decisão também reforça um movimento de
auditores estaduais para expandir esse instrumento nos estados.
A decisão dos ministros foi unânime no julgamento da ADI (Ação Direta de
Inconstitucionalidade), apresentada pela CNI (Confederação Nacional da
Indústria) contra a Dirbi, nova declaração da Receita que obriga as empresas
beneficiadas por incentivos, renúncias fiscais e imunidade tributária a informar
todos os valores de tributos que deixaram de pagar.
A CNI alegou no recurso ao STF que a declaração aumenta a burocracia, pois
as informações exigidas já estão à disposição da Receita. Também sustentou
que a obrigação poderia pesar mais sobre micro e pequenas empresas, que
teriam custos extras para se adaptar às regras. A Dirbi foi criada em 2024.
O julgamento virtual foi encerrado no dia 17 de outubro e representou uma
vitória para o Ministério da Fazenda. A equipe do ministro Fernando Haddad
e o secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, não atendeu ao pedido da
Folha para comentar a decisão do Supremo, em meio às negociações de
medidas de aumento de receitas no Congresso.
Para auditores fiscais da Receita ouvidos pela reportagem na condição de
anonimato, a decisão do STF estabelece a Dirbi como um instrumento
poderoso de transparência para auxiliar o trabalho de fiscalização e de combate
a políticas ineficazes de desoneração, que tiram bilhões dos cofres do governo.
Eles citam como exemplo o Perse, benefício criado na pandemia para socorrer
o setor de eventos, que abriu uma porteira para fraudes e foi prorrogado,
mesmo num cenário de recuperação econômica. Técnicos temem que o
Congresso viabilize um retrocesso na medida.
O presidente da Febrafite (Associação Nacional de Fiscais de Tributos
Estaduais), Rodrigo Spada, defende a expansão do modelo da Dirbi para os
governos estaduais. "É dinheiro público, e o princípio que deve imperar é o da
publicidade e transparência. Se para tributar é necessário lei no sentido estrito,
e publicidade, para isentar deveria ser a mesma lógica", diz.
Em sua avaliação, os benefícios fiscais distorcem a concorrência entre as
empresas e reduzem os recursos disponíveis no Orçamento. "Dinheiro que
poderia ir para educação, saúde, segurança e investimentos."
Os dados da Dirbi são publicados na página da Receita na internet num modelo
considerado simples e de fácil cruzamento por período de apuração, estado,
tributo, benefício, Cnae (Classificação Nacional de Atividades Econômicas),
nome empresarial e CNPJ. As informações disponíveis até o momento são de
27 de maio de 2025. A Receita não informou quando pretende atualizar os
dados.
Para o ex-auditor Adriano Pereira Subirá, a Dirbi deve ser ampliada
pontualmente. "Eu acredito que ela já cobre hoje boa parte [dos incentivos],
mas ainda assim temos um volume de meio trilhão de reais de benefícios
fiscais", diz Subirá, presidente do Comitê Tributário Brasileiro, entidade sem
fins lucrativos.
Segundo Subirá, só PIS e Cofins têm cerca de 200 regimes diferentes, que vão
desaparecer com a entrada em vigor da reforma tributária a partir de 2027.
O professor do Insper Breno Vasconcelos destaca a importância de garantir
mais transparência às informações sobre benefícios fiscais. "[Hoje] tem um
problema de transparência, de capacidade de identificação do quanto poderia
ter sido arrecadado em razão daquele benefício que foi concedido", diz. "A
parte que seria devida pelo agente beneficiado é dividida entre os demais", diz.
Vasconcelos elogia a Dirbi porque os beneficiários são obrigados a declarar
quanto têm deixado de pagar em decorrência do incentivo.
Ele diz que vê com ressalvas a criação de novas obrigações acessórias
(declarações) aos contribuintes devido ao custo alto, mas ponderou que a Dirbi
é muito positiva para a transparência. Para ele, a má alocação de benefício fiscal
é um dos fatores para a baixa produtividade das economias no mundo.
No julgamento, o relator do processo, ministro Dias Toffoli, apontou que a
Dirbi não viola a Constituição e busca dar eficiência e transparência à cobrança
e aplicação dos impostos. Segundo ele, a previsão de multas por
descumprimento das obrigações não prejudica as micro e pequenas empresas.
Ele afirmou que o tratamento diferenciado para esses negócios também se
aplica às obrigações acessórias, mas não dispensa o cumprimento de todas as
exigências da legislação.
O ministro lembrou que a lei complementar 123/2006 já prevê casos em que
micro e pequenas empresas devem seguir as mesmas regras tributárias das
outras companhias. No caso da Dirbi, cabe à Receita atentar ao estatuto que
rege esses tipos de negócio.
Procurada, a CNI disse em nota que respeita a decisão, mas ressalta que o
debate sobre simplicidade tributária não se encerra.
"A criação de novas obrigações acessórias, que elevam custos de conformidade
inclusive para micro e pequenas empresas, desafia os contornos do princípio
constitucional consagrado pela reforma tributária", diz a nota. Para a entidade,
subestimar o impacto prático dessas exigências significa perpetuar a
complexidade de um ambiente de negócios que compromete a competitividade
da indústria brasileira.
A discussão de corte de benefícios e de novas regras para a concessão desses
incentivos está em evidência na Câmara, onde tramitam três projetos sobre o
tema. Um deles foi apresentado pelo senador Esperidião Amin (PP-SC) e outro
pelo deputado Mauro Benevides (PDT-CE). Um terceiro é de autoria do
governo, que prevê corte de 10% em uma série de benefícios fiscais concedidos
a empresas e setores.
A proposta deve ampliar a arrecadação federal em R$ 19,76 bilhões no ano que
vem, e seu envio foi necessário para fechar as contas do Orçamento de 2026,
encaminhado em agosto passado. Formalmente, o texto foi protocolado pelo
líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE).